sábado, 7 de junho de 2014

Dos mitos, das capas negras e dos dedos apontados

Artigo
A desembargadora Rilma Hemetério ficou conhecida na mídia nacional por ser enfática na audiência sobre a greve dos metroviários


Não sei qual a dificuldade que as pessoas ainda têm de entender que por traz de uma juíza, professora, jornalista, de um gari ou advogado existem seres humanos comuns. Pessoas que comem, dormem, sonham, se frustram... Tudo gente normal como eu e você! Parece que temos uma necessidade enorme de endeusar ou demonizar alguém com o propósito de nos sentirmos motivados a algo. Uma hora é um político, daqui a pouco um membro do Supremo Tribunal Federal, quando colocamos nele uma áurea de bondade e o confiamos poderes divinos ou extraterrestres para resolver coisas que julgamos não ter solução.

O que me parece é que estamos tão fartos de nossa humanidade falha, que procuramos entre nós algum traço de divindade ou superioridade para despistar o medo e o fado que interiorizamos do fracasso e da maldade. É como se procurássemos ídolos e mitos que nos afastem de nós mesmos (simples seres humanos), e nos deem a vaga certeza de que ainda temos jeito, e de que entre nós ainda existe alguém diferente, ético, e a quem podemos delegar respeito e esperar respostas positivas para a sociedade.

O problema, em minha opinião, é esquecer que esses heróis de capas negras, que são bondosos e éticos, que lutam pela verdade e justiça e que são fortes e irrepreensíveis, são gente de carne e osso como nós. Eles têm qualidades e defeitos, como nós. Têm talentos, têm falhas e têm aqueles dias e momentos de glória e repercussão positiva, quando todos vão os elogiar e inflar seus egos.

A diferença é que eles estão expostos, que suas ações têm maior visibilidade. Porém, não nos esqueçamos da natureza que nos une e nos assemelha. No fundo cada um de nós tem dentro de si um corrupto e um justiceiro, um líder e um preguiçoso, um herói e um bandido. Resta saber qual a personagem que encarnaremos hoje e se terá alguém na plateia para nos aplaudir ou nos vaiar!

Nos últimos dias o dedo em riste da desembargadora Rilma Hemeterio (vice-presidente judicial do TRT-2), apontado para sindicalistas em greve e representantes do metrô de São Paulo, a sua bravura e coragem, e todos os inúmeros adjetivos que estão lhe dando diariamente, ganharam destaque na mídia nacional. Acredito que a desembargadora tenha muitas qualidades, inclusive as que estão lhe presenteando! Mas o que me chama maior atenção nisso tudo é a capacidade que temos de mitificar alguém por um breve instante de publicidade. E não sou eu que provo isso, é ela mesma, pois se passamos a admirá-la facilmente por causa daquele dedo levantado, ela mesma trata de se humanizar quando se define como uma pessoa mais brincalhona que enérgica e quando diz que se as pessoas convivessem com ela teriam uma decepção, porque constatariam que ela (a desembargadora), não é diariamente do jeito que pensamos. Palavras delas! Rilma Hemeterio ainda completa sua análise pessoal em matéria exibida no G1 dizendo que em certa audiência já fora chamada de tia por uma das partes, tamanha foi a intimidade que a parte em questão sentiu em relação à ela.

Acho que nesse dia não havia câmeras atentas para eternizar publicamente a doce desembargadora Rilma. Mas e se houvesse?




Milena Chaves
Jornalista

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